Autor: Pedro Alves Neto
Belizário Alves de Sousa, nascido no sitio pontais, Município de Ibiara, sertão da Paraíba; descendentes de pais pobres, família numerosa; todos analfabetos! Sem tetos e sem terra, não tivera desde sua gestação os cuidados de geriatras, ou pediatras. E também não fora nutrido de cuidados alimentício, porque não dizer que passara por privações, por toda sua existência, mas com maior intensidade na sua infância e adolescência. Fato tão absolutamente comum!...Perdurando pelos brasis, ate nossos dias atuais!
Ele, com toda esta carga social, sua mãe falecera quando era ainda muito novo; ficara sobre os cuidados do pai e dos irmãos mais velhos! Não bastasse, o seu pai casara-se novamente, passando aos cuidados da mãe adotiva. Culturalmente as madrastas são bruxas malvadas, que freqüentemente causam danos psicológicos às vezes irreparáveis aos seus enteados. Aqui não há registro comprobatório, mas muitas evidências, tornando esta hipótese muito forte! Houve filhos do segundo matrimônio, e daí uma infinidade de conflitos; num destes o Tio Belo ( tratamento carinhoso, mas só para os mais íntimos) saíra de casa, ficara desaparecido por muitos meses, nunca soubemos com quem e por onde estivera, apenas que sua hiperatividade foi acelerada, fato confirmado pelos seus mais próximos quando do retorno. Não há laudos que comprovem, pois não havia especialistas que o atendesse, no município, e por falta de recursos, não o encaminharam para centros de especialidades para fazê-lo. Mas de fato ele era diferente! Não sabemos se já nascera ou adquiriu nos caminhos da vida! O certo é que: tio Belo, nos permitiu uma experiência diversa; por tudo do ser humano que o era e também por ser diferente. Era muito elevado o grau de SPA ( Síndrome de Pensamento Acelerado ); que muitos o tratava como louco; uma posição que não discutirei aqui; mas vou relatar, momentos significativas que convivi com o mesmo.
Era muito trabalhador, para que pudesse atender esta ansiedade de labutar, tornara-se quase um andarilho buscando vender suas diárias, pois havia de ser para conhecidos, em virtude de seu comportamento; geralmente trabalhava mais para seus irmãos e estes moravam distantes uns dos outro. Nestas caminhadas era confundido com mendigo ou louco, fora apedrejado e maltratado; pois se irritava com muita facilidade, vindo a ter um comportamento estranho: rezava, cantava em voz alta fazendo o sinal da cruz repetidas vezes; o que o tornava motivos de galhofas e importuna. Mas, quem dele se aproximasse com sabedoria, de certo saberá que ele:respeitava e tratava aqueles que lhes dava atenção, com educação e fineza!
Um repentista, pois como todo bom Nordestino admirava a literatura de cordel; alem de tê-los, os bons versos de grandes autores, gravados na memória, ele mesmo os improvisara, principalmente quando estava desenvolvendo qualquer trabalho, e claro era desafiado por outro companheiro. Ouvi grandes rimas, pena que hoje não as tenho na memória para melhor comprovar, mais este fato de grandiosidade desta figura humana, Incomparável. Somente consigo recitar esta estrofe:”Para poder escapar daquela fera assassina, eu tive de me esconder no bueiro da usina”. Mas havia muitos versos grandiosos, que se perderam e não haveremos nunca mais de ouvi-los, pois o mesmo já se fora, está noutra dimensão.
Adormecia à boca da noite, mas, todavia acordava muito cedo, madrugada ainda! Plantava-se de joelhos ao chão, e rezava por horas todas as orações imagináveis! E aqui esta atitude incomodava a todos, pois era feita em voz alta! Esta ação conflituosa lhes causara problemas. Pois quem o contratava o punha para dormir fora das casas. Às vezes em pleno relento, para não serem incomodados quando do despertar sonoro, quando este começava orar, realmente punham em pavor todos que estivesse ali por perto! Muito asseado, tomava até dois banhos por dia, porém ninguém se atrevesse a espiá-lo, era comprar uma grande encrenca, ou provocar uma greve de banhos. Esta atividade o mesmo só o fazia na certeza de estar sozinho! Era uma forma de pureza, castidade que o manteve virgem até a morte!
O rendimento do seu trabalho era quase nulo, pois quase sempre se tratava de trocas. Trocas por roupa, calçados, produtos de higiene, rede lençol e alimentos. Mas quando da sobra de alguns trocados este dispunha de um modelo original, para preservar as economias! Vejamos um exemplo: suponhamos que o valor fosse múltiplo de três. Ele tomava três caixinhas de fósforo, colocava o montante numa delas, e as misturava; amarrava as três de cordão, e escolhia três casas para deixá-las; uma em cada casa. Passado o tempo, e a necessidade surgindo ele retornava em busca das economias, mas não era um retorno aleatório; ele ao abrir a primeira caixa, fosse ela a premiada! Tirava uma parte, e voltava ao primeiro procedimento; somente seria conclusivo seu saque, se ele ocorresse na última caixa no último cofre! Havia uma lógica, ele as guardava nos fornecedores de serviços; muitas vezes ao retornar havia nova contratação; também ele era muito amoroso, tanto com os irmãos, quantos com seus sobrinhos, este retorno também servia como um encontro uma visita!
Era muito amoroso ao meio ambiente. O vi muitas vezes quando roçávamos mato, ele ao perceber ninhos de passarinhos os preservarem, ao encontrar enxames de abelhas da mesma forma; no corte de mato, sempre que possível ele mantinha aqueles arvoredos que eram medicinais ou os que estavam em processo de extinção. Foi dele que ouvi pela primeira vez, uma preocupação com o momento de abate de animais. Pela dor e o sofrimento ele proponha que se dopassem. E isso pra mim foi de uma grandeza, que passei a me educar mais a respeito de matança desenfreada e impiedosa que fazia de animais e passarinhos! E hoje, me apavora a crueldade com que tratam os touros, os galos de briga, as carrocinhas de gatos e cachorros! Essa consciência ecológica devo ao meu Tio Belizário, que confesso: os meus olhos te viram mais como gênio, e tenho saudades das contraditórias ações que o levaram a te chamarem de louco.
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