LIVRO, COMO TE CONHECI!
Eu te conheci, ainda muito criança, em um caixote de madeira sem tampa, local em que ficavas guardado na minha casa. Foi amor à primeira vista. Era tão grande o meu zelo por ti que até te escondia dos meus irmãos, e te queria só pra mim. Percebi, desde então, a sua importância, e sempre que tinha um tempinho manuseava, folheava tuas páginas e na minha imaginação inventava tuas histórias. Eu nutria por ti uma verdadeira adoração; até que um dia aprendi a ler e passei a desvendar teus mistérios e cada vez mais meu encanto ia aumentando. Lembro que, o começo foi assim, minha mãe era analfabeta, mas dotada de uma sabedoria que só podia ser divina. Matriculou os dois filhos mais velhos, no caso, meus irmãos na escola, da cidade mais próxima, que ficava a oito quilômetros do sítio que moravam. Nessa época, é claro que eu ainda não era nascida, mas a sua intenção era que os mais velhos aprendendo a ler iam ensinando aos outros e foi realmente o que aconteceu. Todos os quinze filhos aprenderam a ler, a contar e a escrever um bilhete, como ela dizia. A busca dela não ficou só ai. Não sei explicar como, mas ela conseguia livros na cidade, acho que, na Prefeitura ou na Escola. Sei lá, o que sei é que os trazia para nossa casa. As imagens rondam minha cabeça como se fosse um filme. Eu ainda pequenininha, lembro que todas as vezes que mãe ia à cidade, quando se aproximava a hora de ela chegar, eu ia encontrá-la no caminho. Ela sempre trazia um agrado para mim que era a caçula, “preta” como ela me chamava. Na cabeça, ela trazia uma cesta com as compras que fazia na cidade (café, açúcar, sabão...) a feira da semana) e era misturado a esses produtos que, vez por outra, ela trazia os livros. Aqueles do caixote que falei! Apesar da pouca quantidade, esses livros formavam uma verdadeira biblioteca pela sua diversidade. Havia livros da primeira, segunda, terceira séries e tinha até um exame de admissão. Tinha livros grandes, pequenos, com capa, sem capa, cartilhas, revistas... A gente aprendia sobre tudo: História do Brasil e do mundo, Geografia, Religião, Astronomia etc., pois seus conteúdos referiam-se a todas as disciplinas juntas: gramática, matemática, estudos sociais, ciências. Apesar do meu apego, aquela coleção era coletiva, para ser compartilhada por todos. No entanto, era eu quem mais desfrutava dessas obras até por ter mais tempo disponível; pois, além de muito criança, ainda, era o mimo da mãe e demorei mais a ir para o roçado. Os afazeres de casa eram muitos e somente aos domingos era que dispunha de mais tempo para os livros. Logo que eu cumpria as minhas tarefas domésticas, sentava, debaixo de um pé de castanhola que tinha na frente de casa, sempre com um livro nas mãos. Minha leitura sempre foi despretensiosa. Lia todos os livros sem nunca apresentar resistência a nem um deles: os sem capas, ilustrados ou não, os de menor espessura, matemática, português, as cartilhas, os do MOBRAL que também faziam parte dessa coleção. Assim, praticamente sozinha, sozinha não, com os livros eu aprendi a decifrar o significado das palavras, livro por livro, página por página. Foi um aprendizado tão marcante que eu me emociono muito ao relembrar. Minha mãe chegava à porta e dizia guarda esse tibofe de livro, você vai enlouquecer! Pelo tom da voz, ela demonstrava repreender a minha atitude, isso me deixava um pouco triste e confusa poxa se era ela que conseguia os tais tibofes... Confesso que até hoje não descobri o que significa a palavra tibofe. Talvez para não magoar os meus sentimentos tanto do que sinto por minha mãe que representa tudo em minha vida, assim como, a grande admiração que tenho pelos livros.
São emoções que guardo que podem ser lembradas, mas não tocadas para não quebrar o encanto, entende? O fato é que o convívio com esse caixote de livros durou os anos vividos na casa de meus pais, até meus dezessete anos. Nem o caixote, nem os livros existem mais. Porém, o conhecimento e o amor pelos livros ninguém os tirou de mim. Hoje sou bibliotecária. Por escolha? Não... Talvez, por ironia do destino, mas sou muito feliz como tal. Sou ciente de que o livro abre horizontes, ensina, informa e forma, mas para mim é também objeto de desejo, de paixão. Tê-lo por perto me proporciona satisfação, prazer e me traz doces lembranças. Lembranças que quero guardar pra sempre.
Beatriz Alves de Sousa
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